No Brasil, a abolição da escravidão foi tardia e incompleta. Em 1888, rasgou-se o documento da escravidão legal, mas não os alicerces que a sustentavam. O povo negro foi lançado à própria sorte, sem um palmo de chão, sem acesso à escola, ao trabalho digno ou à saúde. Quebraram as correntes nos pulsos, mas mantiveram as algemas invisíveis da pobreza, do racismo e da exclusão que atravessam séculos.Mais de 130 anos depois, as marcas da escravidão ainda estruturam a sociedade brasileira. O racismo não só persiste, como segue operando nas estatísticas: pessoas negras recebem, em média, 40% menos do que pessoas brancas; e 47% dos trabalhadores negros estão na informalidade, contra 34% dos brancos. As mulheres negras enfrentam a pior combinação de exclusões — são maioria entre as trabalhadoras domésticas, muitas ainda sem carteira assinada e com rendimentos abaixo de R$ 1.000 por mês.
A chamada escala 6×1, com uma folga semanal para seis dias de jornada, é a realidade de milhões de trabalhadores do comércio, limpeza, segurança e alimentação — setores onde predomina a mão de obra negra. Essa lógica de exaustão, historicamente imposta à classe trabalhadora, hoje assume uma forma moderna de exploração que recai, mais uma vez, sobre os mesmos corpos.
Nas instituições públicas e privadas, o racismo também segue operando. Apenas 6,3% dos cargos de liderança nas empresas brasileiras são ocupados por negros. No Judiciário, a presença negra é quase inexistente: menos de 2% dos juízes brasileiros se declaram negros.
A repressão do Estado completa esse ciclo de violência. A política de guerra às drogas serve como desculpa para o encarceramento em massa: o Brasil possui mais de 830 mil pessoas presas, das quais 68% são negras. A juventude negra é também a principal vítima da violência policial — mais de 80% das mortes por intervenção do Estado em 2022 foram de pessoas negras. E segundo o Atlas da Violência, jovens negros têm 2,6 vezes mais chances de serem assassinados do que brancos.
Esses dados não revelam apenas desigualdade: revelam um projeto de sociedade que atualiza o controle sobre corpos negros por outros meios. A abolição da escravidão foi meramente formal. O que se seguiu foi um novo ciclo de exclusão, onde o Estado deixou de ser o senhor de escravos para se tornar o agente da marginalização institucional.
Ainda assim, houve luta e houve conquistas. A Lei de Cotas, aprovada em 2012, permitiu um avanço histórico: em 10 anos, a presença de estudantes negros nas universidades públicas aumentou em mais de 70%. Programas como o Bolsa Família também atuaram no combate à fome e à miséria, alcançando uma população majoritariamente negra. A PEC das Domésticas, embora ainda descumprida por muitos empregadores, garantiu direitos antes negados a milhões de trabalhadoras.
Mas essas conquistas enfrentam o cerco das políticas neoliberais, que vêm sendo aprofundadas desde a década de 1990. As privatizações, os cortes de investimento, a destruição da CLT, a reforma da previdência e o congelamento dos gastos públicos (como a EC 95) reforçam um Estado mínimo para os pobres e um Estado forte para o capital. Essa lógica agrava ainda mais a situação da população negra, que depende das políticas públicas para romper os grilhões do passado.
O 13 de Maio, portanto, não pode ser uma data de comemoração vazia. É um dia de denúncia e de luta. Um lembrete de que a liberdade sem reparação é apenas uma transição da senzala para a favela, da chibata para o fuzil, do tronco para a cela. Enquanto houver racismo exclusão e violência, não haverá abolição completa.